domingo, 11 de janeiro de 2009

CIDADE

1.

Lá de cima do miradouro o rio aquieta-se.

Os barcos esperam a noite o outro dia para

nova viagem.

A avenida vai-se transformando tal como o

cais. Tudo melhora com a nova imagem.

Importe/exporte - navegações, carrega e

descarrega com/solidão do rio. As motori-

zadas passam as fábricas. Ao homem novo

falta ainda este sabor europeizado das frontei-

ras maiores.

De dia o bulício, o trânsito infernal. À noite a

serenidade da serra que domina. Na manhã o

regresso dos barcos carregados para abrir a

praça. O futuro vem aí ou já se vê?

É esta idade que amamos estrangeiros de

todas as terras, nela secretamente, com a mãe

que chama.


2.

Os bairros mais antigos, as tradições a pleni-

tude nos dias de verão, o quente sabor do

inverno aqui. São saudades quando andamos

longe, é a nossa cidade pequenina a agitar-se

no rumor do dia. O Largo da Ribeira Velha, a

Rua dos Ourives, o Poço do Concelho,

saudade da Rua dos Almocreves, Miradouro,

Troino, nomes na irreversível urbanidade,

salteada de agitadas construções. Serão as

preces ao Senhor do Bonfim, são os nossos

nomes mutantes no imperceptível. Largo da

Misericórdia pedra a pedra no passeio diário

citadino, reconversões das casa de comércio,

cada novo dia um lugar novo. Aqui ficamos

assim na calmaria do rio quando não sobe às

casas e à praça. Amamos com beijos e abraços

no país pequeno que recriamos em cada

bairro


Temos um nome algumas vezes hesitante

enquanto esperamos muito mais que tudo, das

águas talvez, que chegue até nós a sábia

palavra do futuro.



3.

Atravessar a avenida. A praça. O parque.

Procurar a sombra nos portais

Invadida de betão fugindo do mar por não

crescer por aí devorar o que resta das quintas

e dos campos.

A canioneta no coração na encruzilhada

perfeita onde desaguam diariamente um mar

de homens e mulheres. Com eles a saudade da

planície a travessia fugaz a esta banda. O

silêncio da noite cortado pelo comboio.


A cidade dorme. Descança das suas batalhas

romanas e tão antigas.


Aparece o cheiro do pão aqui e ali. É uma

réstea do dia que começa. Dos barcos haverá

notícia pela manhã crescendo. A serra dorme

talvez com o ouvido alerta, e vigia lá de cima

o sono das ruas.

Somos nós aqui na esperança dos

capitais insufláveis da emergência contigen-

tada do benemérito pão da diocese nas horas

precisas e negras da assombração.

Mas abrimos ainda os braços sobre a areia.

Falamos do verão muito nosso e no nosso olhar o

mar é assustadoramente toda a nossa dúvida.


4.

A casa nesta margem do rio.

No quintal da casa a laranjeira que secou.

Na margem ficam os os barcos

e os marinheiros que suspendem as redes

nas mãos a noite e o dia.

A organização vital.

A medição pelo sol e pela lua.

Partir e chegar

ver nesse jogo do rio com o mar

a chave, a profecia

curso vagaroso do tempo secular

a terra perturbável

o homem a mudar.




Poemas: AB

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

ANTÓNIO S. BRANDÃO

António S. Brandão (n, 1937) é professor no ensino público e no Conservatório Regional de Setúbal. Tem participado em recitais de poesia e música. Está publicado no Anuário de Poesia "Assírio e Alvim". O livro "Na Margem deste Rio", de que extraímos os poemas que reproduzimos aqui, foi recomendado para publicação pelo júri do Prémio de Poesia "Bocage", promovido pela Associação de Municípios do Distrito de Setúbal.

sábado, 27 de dezembro de 2008

1.
despede-te tranquilamente,
o coração não vibra
nem recorda,

disso se morre,
de segredos.

2.
é assim o amor, esplendor, risos
em colinas adversas. sob o
destino, seu peso,
dói, afasta.

na margem, sua irmã, esgota as cinzas,
alegra. é assim o amor, apenas
o seu começo, longo caminho.


fjv, "Poemas", FOLHA D´HERA
dá-me, sobre um mapa onde as ihas possam flutuar
e as brancas penínsulas se abandonem às aves,
a incerteza do maior amor ou a tranquila

oscilação dos barcos nas enseadas onde o inverno
pode adormecer, na solidão, na noite, não demores
o tempo entre os anéis, os dedos tocam sempre
esses despojos de antigas navegações.

por isso, nas horas mais tranquilas, entre as falésias
dedico-me a essa ocupação de recolher o que as marés
trazem às praias, como se fosse ao coração.


fjv, "Poemas"
não há enganos entre nós, só as coincidências
explicam os afastamentos que nos unem
ao melhor amigo não conto o que me encanta
e transforma entre nós, que somos tristes e
leves, as longas baías de inverno têm pouco a
dizer. de tudo isso sabemos um pouco,
quase nada, enumeramos razões
e receios, os princípios, nisso esgotamos
a brancura, alguma coisa, algum tempo.

não há enganos. não há nada mais,
o futuro.
dá-me o teu sono sem cansaço nem aromas
a voz que cantando não magoa, leve sopro,
a passagem do tempo, o o que dele restar
como um rio. repete as palavras: uma a

uma, o fruto vai ganhando apetite e vagar,
nenhum sabor é mais maduro que nós
nenhum pássaro.


In "Poemas", Folha D´Hera

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

esconde a parede branca, a sem mágoa,
o fluir de nomes ao acaso que invadiram
a tua vida e pernoitaram nela como
assaltantes. dá-lhe a recompensa, o vidro
sobre as paisagens que se repetem sem engano.

da distância até às rosas
não colhas nenhuma memória nem nenhum frio.
é assim o tempo: abster-se da sua passagem.

a cerejeira não amadurece nem o tempo
estiola: o que nos enfrenta é demasiado,
em nós se perde, de si se perde.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Tal como Arlindo Mota e outros poetas, também a poesia de Francisco José Viegas foi editada pelas Publicações FOLHA D'HERA na década de 80. O livro "Poemas" de Francisco José Viegas veio a lume em 1987, com grafismo e desenhos de José Teófilo Duarte: "O milagre dos bons livros, como este bom livro, é o de conquistar amigos invisíveis...Um belo, inusual, estranho e concitante livro" escreve Baptista-Bastos no Diário Popular.
O teu sorriso ilumina a vinha
projecta o pomar e a casa
para lá do castelo
até ao mar

Arável o espaço
por onde corremos
é assim que partilhamos
o p^çr do sol
mais os pássaros
que riscam o ar
poisam nos galhos das videiras
e erguem a voz
só para cantar

in "A Inocência dos Murais"
Tal como eu pastor
carcomido por balidos
chocalhos e latidos
mais o tempo que passámos
ao ar livre

Torcidos no cajado
dizimados até côdea
só me faltava
ser mordido
por ti

Cão


In "A Inocência dos Murais"
Sempre contei mal
as ondas do mar

Fixo mal os olhos
na essência das espumas
perco-me no voo
troco os dedos
a soletrar os números
até o mar
ser apenas
água de beber


in "A Inocência dos Murais"
Se não fosse Descartes
Maquiavel
e a maçã de Adão
a falta de vírgulas em Saramago
e a água do poço

Se não fosse e não fosse
mesmo assim
todas as estrelas
seriam retratos inventados
dos teus olhos


in "A Inocência dos Murais"
O nosso leito flutua

No marejar dos corpos
aonde a chuva se refaz em rato e mosto
todos os gestos são permitidos
desde que ardam em chama as sentinelas

Flutua porque não é leito

Na dança onde me venço
a água se despe de sombras e medos
para crescerem seixos no porão dos marcos

O nosso leito flutua

É a apoteose da partida
a música sibilina a dar corpo às nossas velas

Flutua porque não é leito

É chão de azeite


In "Mar Arável"
A água se organiza aonde
um fio de música lhe morde a voz

A água tem som próprio como a luz dos astros
impregnada de sonhos para nós respirarmos

peregrina e tantas vezes ferida
na folhagem dos corais
é visita assídua de templos e câmpanulas

revigora-se no ar livre
esparge sabores
acordes de alaúde que as manhãs recolhem na pele

(esta é a água incerta que bebemos e desvendamos
o silêncio partilhado que calamos
o amor que nos separa por um seixo)

A água se organiza aonde existem pedras lentas

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Eterna namorada de metáforas e gaivotas
respiras o hálito morno do moliço

instalas-te nos melhores lábios da manhã
até despertares nas margens e seres gente

(é ainda a inquietude da folhagem
que te transforma em alimento mar arável)

Quando exultas o benefício dos braços
rasgas silêncios por entre silêncios e cantas

constróis murais flutuantes
(os mais simples para as aves)

Tens por hábito adormecer depois do trabalho
à semelhança dos cristais


in MAR ARÁVEL
Na água se guardam os mais perfeitos silêncios
inscrevem rumores
que a luz vai transformando em pão

na água se devoram cardumes por ternura
movem folhas secas como espadas

na água já vi correr a nudez das margens

(foi quando os homens se deixaram
envolver em ciladas para salvar memórias)

na água se colhe a chuva e o deserto
ganha corpo o sonho para intervir na paisagem

na água tudo é humano
até o respirar

EUFRÁZIO FILIPE

Eufrázio Filipe Garcês José tem um vasto currículo a nível cívico, designadamente no exercício de cargos no Poder Local. Tem várias obras publicadas, entre as quais um livro de contos A Secular Barca do Zé e um romance A Linguagem dos Espelhos. Mas é enquanto poeta que o autor tem vertebrado a sua obra, tendo colaborado em várias colectâneas de poesia, e publicado várias livros, entre as quais: A Linguagem dos Espelhos (1982); Vagarosos Instantes (1984); Mar Arável (1988); A Inocência dos Murais (2003). É destes últimos livros que seleccionámos alguns poemas.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Ao longe

Ao longe,
a vela do barco já rasgou o céu
e o casco continua
abrindo o mar
sempre que passa.

Aqui
sobrou um corpo na janela.
Inerme ainda e ainda por abrir.
E todavia trespassado pelas espadas do silêncio.

Mas do veleiro
ninguém lhe soma as feridas:
que veludos se passearam
pelos punhais dos teus dedos?

De quem

De quem
a arma branca
que rasgou o silêncio?

O medo
e a tua boca
têm o mesmo gume.

Sei o rio

Sei o rio
lutando contra a ponte,
a ponte
contra os caminhos.

Sei a ponte erguida
sobre o rio, ferindo o rio.
Sei os caminhos, ferido pela desordem
um
contra o outro.

Onde nos leva hoje a ponte
que o rio ontem não levava?

Lembrei-me de ti.sem querer.

Lembrei-me de ti. sem querer.
qualquer coisa como o sol e o
mar dormindo juntos. uma tarde
de outono ou de primavera indefinida.
A areia estava macia e húmida. não
havia corpos na praia.apenas
restos fluidos de passos. vespas.
às vezes gaivotas, água e pedras:
uma garrafa verde.

Um comboio seguia os cabelos
de espuma. para um lugar
qualquer. talvez estoril morno.
em outubro. no ar e no silêncio
algumas feridas. saravam.

MARIA HELENA SALGADO (Maria do Rosário Pedreira)

Maria Helena Salgado foi o pseudónimo utilizado por Maria do Rosário Pedreira quando foi publicado, em 1989, na colecção poesia contemporânea das Publicações FOLHA D'HERA, o seu livro "Água das Pedras". A autora tem desenvolvido para além de intensa actividade no domínio da literatura, quer como poeta, ficcionista ou na área da literatura juvenil, um percurso reconhecido enquanto editora, designadamente directora literária na Gradiva e directora de publicações da Sociedade Portugal-Frankfurt 97.

É do livro "Agua das Pedras" que seleccionamos alguns poemas para a nossa oficina de poetas, baseada na actividade editorial das Publicações FOLHA D'HERA.

sábado, 2 de junho de 2007

amira o que se diz vale tão pouco

amira o que se diz vale tão pouco
e o que se sente está tão resguardado
por hábitos contratos concessões
Os gestos são tão inacabados

que os beijos apenas se imaginam
e os passos se afastam bifurcados.

Um pouco acima da fome que nos rói

um pouco acima da fome que nos rói
o coração desordenado é um cavalo
que abranda a pouco e pouco o seu galope
enquanto vem à boca um gosto amargo

a batalha perdida dói no peito
como uma corça tropeçando ferida
Não nos resta senão retomar força
para as novas batalhas desta vida

Nem tem outro sentido o dia alto
elevando-se mais Nem o amor
se confina à miséria em que vivemos
Cantamos e lutamos com ardor

neste espaço e tempo de que somos

À sombra de um violino

À sombra de um violino
dançaram até suar
Não. Não era o destino
nas alamedas do amor
Apenas se advinhava
toda a festa de um encontro.
O resto que se calava
(como o silêncio de um hino)
era o tempo que passava
na sombra do violino.

Prosou tão bem quanto pôde

Prosou tão bem quanto pôde
Encheu os ares de perfumes
e só parou quando soube
que tinha chegado aos cumes,

acerados como gumes.

Arriscou. Apenas disse
o que sabia de cor,
pois tudo o que ele fizesse
relembraria o amor

do amor que se predisse.

Ergueu então sua vara
e vazou os seus alforges
nessa viagem tão rara
em que persegues e foges.

Ontem, amanhã e hoje.

Quase como água correndo

Quase como água correndo
o tempo corre na fala,
e diz da nossa justiça
onde a justiça nos cala.
É uma força muito antiga,
- esta de pôr na cantiga
o que cá dentro nos rala.

Tem a canção o seu tempo,
e quem a faz o seu canto.
O tempo tem seus meandros
que nos requebram o canto.
Mas podemos ir dizendo
que a vida toma outro gosto
quando a gente vai cantando.

EU NÃO INVENTEI NADA

Eu não inventei nada.

Encontrei tudo escrito
nos caroços dos frutos,
no miolo do pão.

Nem sequer as palavras,
- nem tão pouco estes versos,
(pelo pouco que são).

Murmúrio de ribeiros
que me vem aos ouvidos
e depois se mistura
na canção.

MANUEL CORREIA

NOTA BIOGRÁFICA

Manuel Correia nasceu em Almada em 24 de setembro de 1949. A partir de 1971 escreveu alguns textos (poéticos e outros) que vieram a ser utilizados pelo grupo de teatro José Magro, por Luís Cília e José Manuel Osório. "Passos Bifurcados", o seu primeiro livro, ganhou o Prémio de Poesia "Ano Internacional da Paz" em 1986, atribuído por um júri constituído pelos escritores António Torrado, em representação da Sociedade Portuguesa e Autores, António Modesto Navarro, do Conselho Português para a Paz e Cooperação, José Jorge Letria, da Associação Portuguesa de Escritores e Eufrázio Filipe e Arlindo Mota, da Associação dos Municípios do Distrito de Setúbal, promotora do prémio.

O livro "Passos Bifurcados" foi editado em 1988 pelas Publicações "FOLHA D'HERA", na sua colecção de Poesia Contemporânea, sob a direcção do poeta Arlindo Mota e do designer José Teófilo Duarte. São dele os poemas que escolhemos e transcrevemos.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

AL BERTO

ANTES QUE O RIO ESQUEÇA...


Olhar atentamente a civilização que nos deixaram.
Dantes podíamos virar costas à terra com a certeza de que as eiras estavam cheias de grão. Hoje apenas podemos sonhar com as eiras que não veremos nunca.
Mas as máquinas vieram para talhar a cidade que vem e o falso ouro contaminou a terra.

Tentaremos esquecer a morte que se insinua em permanência e que de tão presente já não sentimos o cheiro. Refina a morte das aves, esquece-se a vida dos peixes, morrem as árvores, degrada-se a vida dos homens.

Na memória doem os sinais dos bosques ceifados, as dunas arrasadas e algumas casas abandonadas. A memória é hoje uma ferida que lateja ao fundo da insónia.

Escavemos o chão, procuraremos essas raízes em pedra cinzelada, objectos da vida simples de outros povos. Preciosas navegações, procuraremos a velha dança à roda do mastro. Olhamos as nossas minúsculas embarcações, semelhantes a beijos que nos percorrem de felicidade.

Olhamos o mar, o espaço desses navios negros que nos escondem a linha do horizonte. No coração nada secou, nem possuímos o desastre dentro dos sonhos. A vida preciosa de vivíssimas memórias.

Com este corpo frágil e magoado, procuramos preservar a nossa memória colectiva da voragem do tempo e do abandono dos homens.»



Prosa poética de Alberto Pidwel (Al Berto) para um video sobre Arqueologia Naval da Margem Sul, escrito em 1985, transcrito por amota

sábado, 31 de março de 2007

Antologia Breve 16

PRESENÇA

Escalámos obscuros portos,
Assinaladas rotas, pesqueiros revisitados
Nas noites de viagens interditas.
No começo foi assim. Com o tempo
Retomamos circunspectos a tonalidade.
O arco-íris - dirás? Ainda não.
Serpenteamos desejos, reconhecemos
amantes
- e tu, em todo o caso, lá estarás -
Por antecipação.

ANTOLOGIA BREVE 15

PERCURSO PERCORRIDO

Foram anos de procura,
Sem curso de marinhagem,
Nem leme ou rumo traçado,
Sem a menor equipagem.

Foram destinos aceites,
Sem uma prévia demão,
Horizontes encobertos
Sem perceber a razão

Foram temas de romance,
E heróis mal preparados,
Cavalgadas sem destino,
De antemão fracassadas.

ANTOLOGIA BREVE 14

DESEJO

Apetitoso o fruto que desejo,
Inominado, fresco, sedutor:
Prouvera fosse o tempo das cerejas,
Soubera ser o tempo do calor.
Das giestas não falo, porque sei
O perfume agreste que despertam.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Antologia Breve 13

CANTO VIAJEIRO V

Por fim, sentei-me num canto
-entre rio e outro rio,
entre mar e outro mar-
cansado de correr tanto,
indeciso no lugar,
aí fiquei até hoje.

Antologia Breve 12

CANTO VIAJEIRO IV

Dobrei o cabo da esperança,
fundei o meu universo,
temi o vento ea bonança.

Não fui quixote, nem pança,
para tal, faltou-me o jeito.

Antologia Breve 11

CANTO VIAJEIRO III

Percorri, se é tudo
o que posso imaginar,
descobri novas paragens,
por cada nesga do mar,
viajei por latitudes,
ainda por localizar.

Antologia Breve 10

CANTO VIAJEIRO II

Como um vulgar marinheiro,
inventei-me num porão,
percorrendo o mundo inteiro.

Os portos foram surgindo,
mas nem por isso mais perto
me encontrei do destino,
como se fosse sumindo.

Antologia Breve 9

Canto Viajeiro 1

Foi no tojo das palavras,
no rigor da intenção,
que rebentei as amarras,
penetrando no que são.

Cortei as asas do tempo,
perfumei o meu olhar,
e adormeci ao relento,
sem ter pressa de acordar.

Antologia Breve 8

Meditação I (No dia Mundial da Poesia 2007)

Quem controla o desejo, a emoção
ou a ternura?
A paleta, responde o pintor.
A palavra, atalha o poeta.
Juntos, distribuem a luz
que inunda de cor o planeta

quarta-feira, 14 de março de 2007

Antologia Breve 7

ENTRE O VAZIO E A COR

Caminharás entre os astros, deambulando
entre o vazio e a cor, procurando
o fogo nos seixos húmidos do mar.

Meditarás os antigos: a ampulheta
desvenda o tempo, que circunscreve,
secretamente, deixando um rasto de luz fria.

É isto -Cibele - o padoroxo cruel
dos sentimentos: o poder do amor
gerando o seu contrário, e o contrário
imobilizado por pudor.

Antologia Breve 6

Nesses Lugares Eu Teço

Os sentimentos, Cibele, são paisagens,
húmus, campos de semeadura, se contêm
a natureza honesta do granito.

Nesses lugares eu teço, sem rebuço de
olhares. As mãos ganham, então, um
sentido mágico, entrelaçam-se, procuram
o âmago do tempo nas profundezas
da terra, cruzam-se e descruzam-se
desordenadamente.

Nesses lugares, os olhos apelam
ao sonho, à viagem, à maresia
dos sentidos, assim o luar liberte
o iodo, agreste perfume das marés.

Antologia Breve 5

Cabo da Esperança

Quanto custou dobrar o Cabo,
Assegurar os mantimentos
E o ânimo dos Homens?
País de marinheiros, de aventuras,
Ninguém pergunta quanto custa
Dobrar o cabo da ternura.

Dobrar o Cabo, sem perder a esperança,
E ao sabor do vento navegar,
Indiferente à tempestade ou à bonança,
Ser uma ilha entre o azul e o mar.

domingo, 11 de março de 2007

Antologia Breve 4

ERA UM TEMPO

Onde os búzios que em tudo pareciam
O regresso ao tempo das sereias?
Onde o fogo das mãos que se queimavam
Junto aos corpos que quase enlouqueciam?

Onde o vento cortando inutilmente
As arestas que cedo os revestiam?
Onde a lua rasgada de desejos,
Eclipse de silêncio por momentos?

Era um tempo, alento da manhã,
Em que as árvores cobriam prontamente
Teus seios, vestígios de romã.

Antologia Breve 3

OS FRUTOS PROMETIDOS

Seguros são os frutos prometidos,
Que colherás de tanto semeares,
Entre as searas abertas pelos dedos,
Que o vento ondulará quando quiseres.

Antologia Breve 2

CABO DA BOA ESPERANÇA

Quantro custou dobrar o Cabo,
Assegurar os mantimentos
E o ânimo dos homens?
País de marinheiros, de aventuras,
Ninguém pergunta quanto custa
Dobrar o cabo da ternura.

Dobrar o Cabo, sem perder a esperança
E ao sabor do vento navegar,
Indiferente à tempestade ou à bonança,
Ser uma ilha entre o azul e o mar.

Antologia Breve

MITO PRIMORDIAL

Do rosto emergiu uma flor,
A flor desabrochou como queria,
Assim nasceu o Amor,
E dele a Noite e o Dia.

CITAÇÃO

Do prefácio escrito por José Jorge Letria para o livro "A Seda das Palavras":

"A poesia de Arlindo Mota, com a qual tomei contacto pela primeira vez há vinte anos, é um permanente exercício de contenção e de rigor formal ao qual não são alheios o gosto pelo recurso à metrificação clássica e a liminar recusa do esbanjamento e do ornamento vocabular.

Estamos, pois, perante uma poesia que tenta cumprir-se na essencialidade do que, ficando dito, deixa tudo o mais por pressentir e por intuir. É nesse sentido, uma poesia de maturidade."

sexta-feira, 9 de março de 2007

Arlindo Mota - Poeta

Da sua obra poética destaca-se: "Canto Viageiro" (1981. com design de josé Cerqueira) ; "Incertos Dias" (1986; ilustrações e grafismo de josé Teópfilo Duarte); "Marca D'Água" (1995; concepção gráfica de Edgar Melitão); "A Seda das Palavras" (Capa e design gráfico de Ivone Ralha).
Volúpia de mil desejos,
Perfume de água e sal,
Em ti deposito um beijo
E a luz, que é natural.
arlindo mota
a seda das palavras