1.
Lá de cima do miradouro o rio aquieta-se.
Os barcos esperam a noite o outro dia para
nova viagem.
A avenida vai-se transformando tal como o
cais. Tudo melhora com a nova imagem.
Importe/exporte - navegações, carrega e
descarrega com/solidão do rio. As motori-
zadas passam as fábricas. Ao homem novo
falta ainda este sabor europeizado das frontei-
ras maiores.
De dia o bulício, o trânsito infernal. À noite a
serenidade da serra que domina. Na manhã o
regresso dos barcos carregados para abrir a
praça. O futuro vem aí ou já se vê?
É esta idade que amamos estrangeiros de
todas as terras, nela secretamente, com a mãe
que chama.
2.
Os bairros mais antigos, as tradições a pleni-
tude nos dias de verão, o quente sabor do
inverno aqui. São saudades quando andamos
longe, é a nossa cidade pequenina a agitar-se
no rumor do dia. O Largo da Ribeira Velha, a
Rua dos Ourives, o Poço do Concelho,
saudade da Rua dos Almocreves, Miradouro,
Troino, nomes na irreversível urbanidade,
salteada de agitadas construções. Serão as
preces ao Senhor do Bonfim, são os nossos
nomes mutantes no imperceptível. Largo da
Misericórdia pedra a pedra no passeio diário
citadino, reconversões das casa de comércio,
cada novo dia um lugar novo. Aqui ficamos
assim na calmaria do rio quando não sobe às
casas e à praça. Amamos com beijos e abraços
no país pequeno que recriamos em cada
bairro
Temos um nome algumas vezes hesitante
enquanto esperamos muito mais que tudo, das
águas talvez, que chegue até nós a sábia
palavra do futuro.
3.
Atravessar a avenida. A praça. O parque.
Procurar a sombra nos portais
Invadida de betão fugindo do mar por não
crescer por aí devorar o que resta das quintas
e dos campos.
A canioneta no coração na encruzilhada
perfeita onde desaguam diariamente um mar
de homens e mulheres. Com eles a saudade da
planície a travessia fugaz a esta banda. O
silêncio da noite cortado pelo comboio.
A cidade dorme. Descança das suas batalhas
romanas e tão antigas.
Aparece o cheiro do pão aqui e ali. É uma
réstea do dia que começa. Dos barcos haverá
notícia pela manhã crescendo. A serra dorme
talvez com o ouvido alerta, e vigia lá de cima
o sono das ruas.
Somos nós aqui na esperança dos
capitais insufláveis da emergência contigen-
tada do benemérito pão da diocese nas horas
precisas e negras da assombração.
Mas abrimos ainda os braços sobre a areia.
Falamos do verão muito nosso e no nosso olhar o
mar é assustadoramente toda a nossa dúvida.
4.
A casa nesta margem do rio.
No quintal da casa a laranjeira que secou.
Na margem ficam os os barcos
e os marinheiros que suspendem as redes
nas mãos a noite e o dia.
A organização vital.
A medição pelo sol e pela lua.
Partir e chegar
ver nesse jogo do rio com o mar
a chave, a profecia
curso vagaroso do tempo secular
a terra perturbável
o homem a mudar.
Poemas: AB
domingo, 11 de janeiro de 2009
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
ANTÓNIO S. BRANDÃO
António S. Brandão (n, 1937) é professor no ensino público e no Conservatório Regional de Setúbal. Tem participado em recitais de poesia e música. Está publicado no Anuário de Poesia "Assírio e Alvim". O livro "Na Margem deste Rio", de que extraímos os poemas que reproduzimos aqui, foi recomendado para publicação pelo júri do Prémio de Poesia "Bocage", promovido pela Associação de Municípios do Distrito de Setúbal.
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