ANTES QUE O RIO ESQUEÇA...
Olhar atentamente a civilização que nos deixaram.
Dantes podíamos virar costas à terra com a certeza de que as eiras estavam cheias de grão. Hoje apenas podemos sonhar com as eiras que não veremos nunca.
Mas as máquinas vieram para talhar a cidade que vem e o falso ouro contaminou a terra.
Tentaremos esquecer a morte que se insinua em permanência e que de tão presente já não sentimos o cheiro. Refina a morte das aves, esquece-se a vida dos peixes, morrem as árvores, degrada-se a vida dos homens.
Na memória doem os sinais dos bosques ceifados, as dunas arrasadas e algumas casas abandonadas. A memória é hoje uma ferida que lateja ao fundo da insónia.
Escavemos o chão, procuraremos essas raízes em pedra cinzelada, objectos da vida simples de outros povos. Preciosas navegações, procuraremos a velha dança à roda do mastro. Olhamos as nossas minúsculas embarcações, semelhantes a beijos que nos percorrem de felicidade.
Olhamos o mar, o espaço desses navios negros que nos escondem a linha do horizonte. No coração nada secou, nem possuímos o desastre dentro dos sonhos. A vida preciosa de vivíssimas memórias.
Com este corpo frágil e magoado, procuramos preservar a nossa memória colectiva da voragem do tempo e do abandono dos homens.»
Prosa poética de Alberto Pidwel (Al Berto) para um video sobre Arqueologia Naval da Margem Sul, escrito em 1985, transcrito por amota
quarta-feira, 30 de maio de 2007
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